O poema em análise é uma das odes de Ricardo Reis (composições líricas de origem clássica e estilo cuidado):
Ao longe os montes
Ao longe os montes têm neve ao sol,
Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.
Hoje, Neera, não nos escondamos,
Nada nos falta, porque nada somos.
Não esperamos nada
E temos frio ao sol.
Mas tal como é, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece.
Fernando Pessoa, Poesia dos Outros Eus. Lisboa: Assírio e Alvim, 2010
Análise formal
O poema apresentado é uma ode, como já mencionado e, por isso, obedece a uma estrutura muito específica: é composto por uma estrofe apenas, de doze versos metricamente regulares. Apresenta uma linguagem extremamente cuidada, própria do estilo de Reis.
Estrutura interna
Esta ode estabelece uma relação particular entre o sujeito poético e a natureza que o rodeia: é largamente enfatizado o efeito que o ambiente tem no sujeito, fazendo com que ele tenha frio, por exemplo. Este tipo de efeitos demonstra o quão insignificantes os seres humanos são: "Nada nos falta, porque nada somos", devendo apenas esperar pela morte enquanto sentem o frio do vento, mesmo num dia de sol. Estão vivos e devem aproveitar as sensações da natureza, mas, no fundo, e acima de tudo, estão apenas a esperar tranquilamente a morte, que, inevitavelmente, virá.
Este poema é uma expressão bastante clara dos princípios epicuristas.