No contexto da análise da obra pessoana, um dos temas principais que decorre de todos os outros e, simultaneamente, os causa é a dor de pensar. Este sofrimento emocional decorre da excessiva intelectualização dos sentimentos e emoções, levando a uma lucidez devastadora acerca do mundo e da vida. Pode ser tida, também, como uma sequência lógica do fingimento artístico: o sujeito poético pensa tanto sobre aquilo que serve, para conseguir produzir a sua poesia, que acaba por se sentir esgotado pela própria vivência e pensamento.
Ela canta, pobre ceifeira
Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões para cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!
Poesias.Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).
A denúncia da existência
O pensamento do sujeito poético acerca daquilo que sente vai tornar-se uma denúncia clara da existência: pensar na existência é sufocante, mas faz com que o sujeito poético tome consciência de que está vivo.
Há uma tendência constante para a intelectualização de tudo aquilo que se sente: o sujeito poético não consegue viver sem pensar no que se passa à sua volta e no que sente de acordo com isso; a intelectualização trará inevitavelmente infelicidade.
Consciência e pensamento tornam a lucidez completamente devastadora e fazem com que a própria existência se torna cansativa e dolorosa.
O desejo de inconsciência
A partir desta dor enorme, vai nascer uma inveja e um desejo de ser inconsciente e ignorante às dores e sofrimentos da vida: neste caso específico em "Ela canta, pobre ceifeira", o objeto desta inveja é uma ceifeira que canta, completamente inconsciente da vastidão da existência e de tudo a ela associada. O sujeito poético, essencialmente, inveja quem não tem lucidez; os inocentes que não foram corrompidos pela intelectualização das emoções.
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FAQs - Perguntas Frequentes
O que é a "dor de pensar"?
A consequência da incapacidade de viver a vida sem uma constante racionalização e intelectualização dos sentimentos e emoções.
Que poemas de Fernando Pessoa (ortónimo) exprimem melhor a "dor de pensar"?
Entre outros, "Gato que brincas na rua" e "Ela canta, pobre ceifeira".
A "dor de pensar" é consequência lógica de que outra temática?