O Guardador de Rebanhos é o título de uma coleção de mais de trinta poemas assinados pelo heterónimo pessoano Alberto Caeiro, "O Mestre".
IX
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.
Fernando Pessoa, O Guardador de Rebanhos. Lisboa: Assírio e Alvim, 2010
Análise formal
O poema em análise, o nono da coletânea, é composto por três estrofes, com uma disposição relativamente simétrica. A rima é regular, bem como a métrica, demonstrando a perfeição na simplicidade dos poemas de Alberto Caeiro.
Estrutura interna
Este poema não foge, de forma nenhuma, à temática geral d'O Guardador de Rebanhos: passa-se na Natureza e em comunhão com a mesma, numa manifestação concreta da primazia dos sentidos em relação ao pensamento e da negação da intelectualização: "Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la".
É de forma simples que as ideias são apresentadas, sempre tendo como referência uma imagem natural e bucólica.
A Natureza é, em Caeiro, a única fonte de verdade, pois é simples e afastada da presença dos pensamentos intelectuais. A felicidade real é estar entre a Natureza e não pensar.
